segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Escrever

Segundo a autora Andrea Vieira Zanella, toda pesquisa se objetiva em uma escrita que, tal como um poliedro, apresenta variadas faces: o percurso da investigação e seus resultados; a problemática que a provocou e as contribuições do pesquisador; o referencial teórico que modula o olhar do pesquisador para a realidade investigada e as tensões que essa realidade apresenta a esse referencial; as escolhas teórico-metodológicas e seus efeitos éticos-estéticos-políticos.

Essas e outras tantas faces são constitutivas da escrita da pesquisa e constituídas via intenso investimento do pesquisador em narrar um processo que, uma vez objetivado em palavras escritas nas telas do computador, é reinventado. A escrita da pesquisa não é, nesse sentido, posterior ao processo de pesquisar, posto que é uma condição do outro. "O pensamento não se expresa na palavra, em realidade se realiza nela". Do mesmo modo, a escrita da pesquisa não é mera expressão do processo de pesquisar, mas o seu fundamento e condição para sua reinvenção, bem como do próprio pesquisador.

Tal afirmação se assenta na compreensão de que escrever não é apenas transpor para a tela do computador um pensamento prévio: ao escrever, os pensamentos se (trans)formam e, nesse movimento, transforma-se o próprio escritor, seus pensamentos, suas ideologias. Nesse processo ganha destaque o distanciamento que a palavra escrita possibilita à pessoa que escreve em relação a sua própria produção. Escrita da pesquisa, desse modo, é muito mais que relato: é narrativa da relação de quem escreve/pesquisa com a situação investigada que possibilita sua reinvenção.

A escrita da pesquisa é, pois, como um poliedro translúcido que reflete e refrata a pesquisa e o pesquisador. É discurso, é criação de seu autor a recriar a realidade em foco. Escrita pretensamente precisa, inexoravelmente aberta à polissemia dos signos e à imprecisão da leitura, posto que às palavras proferidas o leitor, apresenta contrapalavras que podem vir a se objetivar em um outro texto a engendrar leituras outras, e outros textos, e outras leituras, numa infindável dialogia.

Cabe destacar, como palavra que não se apresenta como última, mas como convite a outras e outras, a importância de se reinventar o escrever de modo a considerar o leitor contemporâneo e suas necessidades. Uma outra escrita de pesquisa, não reificada que requer uma prática de pesquisa outras, atenta ás tensões entre as variadas vozes sociais que participam do debate contemporâneo sobre o conhecimento historicamente produzido ontem e hoje, bem como sobre os horizontes plurais do próprio processo de produção de novos conhecimentos.




Temos que criar um outro conceito de criação

Hakim Bey (Peter Lamborn Wilson) é praticamente ignorado em nosso meio acadêmico.Talvez seja conseqüência de uma separação entre os circuitos de produção conceitual da cultura culta ou domesticada e da cultura pop selvagem. Autores radicais que o próprio Hakim Bey utiliza, como Foucault, Deleuze ou Derrida, todo mundo conhece, ao menos de nome, porque são autores highbrow. Os livros que escreveram são obras complexas, de leitura difícil, que requerem um preparo filosófico considerável. Hakim Bey, que utiliza esses autores em sua obra, faz isso de uma maneira arrevesada, inserindo-os em uma interlocução pop, articulando suas idéias com processos e eventos radicalmente extra-acadêmicos, com o que está se passando de fato no presente imediato. 
 
A história político-cultural brasileira é complexa. Suely Rolnik lembrava outro dia a cisão fundamental na esquerda brasileira, na virada dos 1960-70, entre o pessoal da contracultura e o pessoal da guerrilha, ou mais geralmente da militância política. Essa diferença foi vivida dramaticamente (mas também alegremente). Havia um conflito entre o pessoal do chamado nacional-popular, do CPC, que possuía um projeto de revolução ligado a uma idéia de cultura autenticamente nacional, e os tropicalistas, que eram internacionalistas e saíam por cima (ou por fora) e por baixo (ou por dentro) da mediocridade visada pelo projeto nacional-popular. Esse debate reencenava a grande discussão anterior e penetrava completamente na academia, que estava organicamente ligada ao assunto, até porque vários teóricos faziam parte dela, sobretudo no lado do nacional-popular. 
 
Depois do tropicalismo, que foi de fato um movimento cultural de alcance nacional, de repercussão vertical, que ia da academia até a juventude, que era teorizado pelos críticos literários ao mesmo tempo em que seus discos eram comprados pela garotada que tomava ácido no píer de Ipanema, não houve nada na mesma escala. Houve movimentos locais, mas com menor fôlego e repercussão. Havia uma vitalidade nestes movimentos posteriores, mas não havia a radicalidade original do tropicalismo. O tropicalismo unia finalmente Vicente Celestino e John Cage, a cultura popular e a cultura erudita, passando estrategicamente pela culturapop, que foi a grande bandeira deles. 
 
O governo atual está dividido ao meio, porque há dois projetos chamados de “nacionais”. Um é o projeto nacional clássico, no mau sentido da palavra, que é o de inventar (ou descobrir) essa coisa chamada de “identidade nacional”. O outro projeto é o de “nós temos que desinventar o Brasil”. É um projeto mais internacional, que troca o “só nós, viva o Brasil”, pelo “tudo é Brasil”. Porque o mundo já é o Brasil, e esta questão já acabou... Uma frase repetida é que o Brasil é grande, mas o mundo é pequeno; então não adianta ficar pensando só no Brasil. Essa frase tem a ver com um projeto hegemônico dentro do governo, baseado na soja, na agropecuária predatória, na industrialização, em um projeto que quer transformar o Brasil nos EUA do século XXI.
 
E do outro lado você tem o pessoal que está interessado em pensar o mundo, não em pensar “o Brasil”. Você pensa no Brasil, você está aqui, não tem como não pensar no Brasil, mas você não precisa pensar o Brasil, pensar no Brasil já basta, está ótimo. Há duas maneiras de conceber a questão da “brasilidade”: ou você acha que ela é causa do que você faz (e de causa se chega rápido a desculpa, a princípio sagrado, sabe-se mais a quê); ou então você percebe que ela é apenas uma conseqüência, você não pode não ser brasileiro, não tem como não ser. Não tem jeito; a não ser que você se exile ou troque de língua, mas enquanto isso tudo o que você fizer é brasileiro. Relaxe e goze.
 
Há uma situação muito confortável da elite brasileira que é poder brincar de dominado quando olha para fora, dizendo “vejam só como eles mandam na gente, nós somos uns pobres coitados, estamos aqui dominados, explorados cultural e economicamente”, e brincar de dominantes quando olhamos para dentro e mandamos a cozinheira fazer nossa comida. Você é um explorado pela cultura francesa e pode dar um grito de guerra contra a alienação cultural; mas é sempre um patrão que reclama da alienação cultural.
 
Qual é o modelo típico, a trajetória típica do intelectual brasileiro (ou, aliás, norte-americano também)? É o menino de província, nascido na cidade pequena, e que está o tempo todo sonhando com o Rio de Janeiro ou São Paulo. Esse modelo do sujeito que espera o suplemento dominical do jornal como se fosse a Bíblia, a hóstia, que encomenda livros da capital, meses a fio à espera das notícias culturais da metrópole. Éramos todos meninos do interior; inclusive os cariocas e paulistas – nossa metrópole era estrangeira, apenas. Isso acabou. Hoje tudo está dado. Você descarrega livro, pega tudo. Há uma democratização gigantesca, desde que você tenha um computador de banda larga, que no Brasil talvez se expanda comesse projeto do governo de pontos de inclusão digital.
 
Os índios pedem o tempo todo. Sim, pedem. E reclamamos que o que eles obtêm é jogado fora de repente: as aldeias ficam cheias de objetos descartados que os índios pediram para nós, insistiram até conseguir, e quando conseguiram não cuidam, jogam fora, deixam apodrecer, enferrujar. E os brancos ficam com aquela idéia de que esses índios são uns selvagens mesmo, não sabem cuidar das coisas. Mas é claro, o problema deles não é o objeto, o que eles querem é a relação. Uma vez a relação se mantendo, o objeto cumpriu sua função. Essa é a idéia da relação como algo interminável: a dádiva. Toda dádiva é interminável, é uma relação interminável.
 
Esse dom gratuito de uma dávida, unilateral e total, não existe entre os índios de forma alguma. Esse é um exercício de poder horroroso, o dom gratuito. É o dom que não pode existir, porque se há uma sociedade contra o Estado, para usar a linguagem clastreana, ela não pode aceitar jamais a idéia e um dom gratuito. Dom gratuito é só outro nome do poder absoluto, quem dá de graça é o poder absoluto, porque ele pede tudo em troca, o dom gratuito é aquele cujo pagamento é infinito, porque não tem pagamento, o dom gratuito é aquele que eu não posso pagar, o dom divino. 
 
Os índios ficam escandalizados com a falta de senso social, falta de inteligência, na verdade, dos brancos. Porque os brancos não entendem. Acho que essa é a sensação profunda que os índios têm diante da nossa sociedade, os brancos não entendem nada do que é uma sociedade. E é verdade, eles entendem muito sobre como fazer objetos, fazem coisas maravilhosas, objetos espetaculares, são grandes tecnólogos, fazem milagres, objetos que a gente não entende como funcionam, são verdadeiros demiurgos tecnológicos; mas no que diz respeito à vida social, são de uma ignorância insondável. 
 
A citação, que é o dispositivo modernista por excelência da criação, é na verdade o reconhecimento de que não há criação absoluta, a criação não é teológica, você sempre cria a partir de algo que já existe. Como a famosa frase do Chacrinha: “nada se cria, tudo se copia”. E como se sabe, nada se copia igualzinho, ao se copiar sempre se cria, quanto mais igual se quer fazer mais diferente acaba ficando: a “contribuição milionária de todos os erros”, dizia Oswald de Andrade, darwinista infuso. Foi de tanto falar latim que os europeus acabaram falando português, francês, espanhol.
 
O fato de que não há nada absolutamente novo não torna o novo menos novo. Tudo já foi feito, não há nada de novo debaixo do sol, toda a linguagem é finita, aquela coisa do Barthes, você só pode dizer o que já foi dito porque a linguagem restringe – isso é uma falsa alternativa. Hoje cada vez mais a matéria-prima sobre a qual a criação artística se exerce é a própria arte. Samplear tem um pouco disso: você está pintando a pintura e não mais a natureza; você está escrevendo a literatura. O sampler está redefinindo o estatuto da citação.
 
O que pode ser repensado é o estatuto da noção de criação, não para dizer que não é mais possível criação, mas para redefini-lo de uma maneira criativa, digamos assim. Temos que criar um outro conceito de criação. Os dois modos de conceber a criação não dão mais conta do que está se processando nesse mundo atual. Está havendo tanta criação quanto havia antes, não creio que esteja havendo menos. O que houve foi uma mudança das condições. Mudaram as condições de criação, mudaram as condições de distribuição. A criação artística está ficando cada vez mais parecida com a criação científica, que sempre foi um trabalho em rede, um trabalho em que você trabalha em cima do trabalho dos outros, que exige todo um aparato institucional complexo de produção propriamente coletiva.
 
Vamos ser o outro em nossos próprios termos. Pegar a vanguarda européia, trazer para cá, e dar para as massas. “A massa ainda comerá do biscoito fino que eu fabrico”. A Internet, ou as novas tecnologias de informação, ou as novas formas de criação, permitem que nós possamos, nós todos, realizar nosso sonho de infância e nos tornarmos Robin Hood. Quem não quis ser Robin Hood? E depois, como o mundo virou brasileiro, “tudo é Brasil”, a antropofagia mudou um pouco de contexto. A antropofagia deu certo, nesse sentido. 


 

Cinema e Antropologia: Novos diálogos metodológicos na interpretação de um ritual andino

Este artigo, de Carlos P. Reyna, é o resultado de um estudo etnocinematográfico no qual foi reinterpretado, com e no filme, o rito andino de marcação do gado denominado Santiago, que a comunidade camponesa de Auray (Andes Centrais do Peru) celebra todo dia 25 de julho de cada ano. 
 
Segundo os estudiosos da religião andina, após a chegada dos espanhóis no século XVI, é provável que no Peru tenha se produzido uma espécie de fusão entre os sistemas de crenças e práticas religiosas existentes e a católica trazida pelos espanhóis. Essa situação persiste hoje, se bem que transformada pela ação dos acontecimentos. 
 
De acordo com o autor, o ritual andino Santiago coloca-nos um problema de relações de correspondência entre a representação (imagens, signos e símbolos) do tempo e do espaço, dos gestos e das palavras, dos mitos e dos ritos que a festa Santiago traduz toda vez que se realiza. Seu caráter dramático é uma maneira de sublinhar profundamente que o gesto ritual deseja alcançar o evento ou ato como totalidade, embora irremediavelmente perdido. Daí a necessidade de se estudar o mundo cultural dos Andes Centrais do Peru tomando como ponto de partida a representação do tempo e do espaço e suas relações com gestos, palavras, mitos e ritos. 
 
Existe um claro grau de diferenciação entre aquilo que se vê, percebe e significa para o informante (objeto da pesquisa) e aquilo que se vê, percebe e significa para o pesquisador (sujeito da pesquisa). No entanto, como essa diferença não é normativa, um dos conceitos não é necessariamente melhor que o outro, menos ainda é correto preferir um ao outro. A verdadeira questão, no caso dos ‘nativos’, é que não é necessário ser um deles para conhecê-los. Para saber como as pessoas se representam para si mesmas e para os outros é necessário adotar uma abordagem metodológica que evolua por meio do diálogo entre intérprete (pesquisador) e o Outro (informante). 
 
Na antropologia os métodos utilizados para obter dados, ainda que se constituam por assim dizer de dados primários, sempre devem ser analiticamente reconstituídos. É muito natural que o trabalho de campo na produção social de conhecimento demande e exija um reexame da constituição das informações obtidas. É neste estágio do processo de observação que nos detemos sobre as seguintes questões: Será que antes de elaborar e descrever os primeiros resultados da observação sensorial não deveríamos verificar se essa observação foi minuciosamente realizada? Que condição instrumental ou técnica nos permite a possibilidade de repetir, restituir e, portanto, verificar o processo de ritual observado? 
 
As circunstâncias ritualísticas levavam à escolha de um equipamento videográfico ligeiro como instrumento de pesquisa. Os movimentos e a disposição dos participantes em diferentes espaços ritualísticos justificam-no. Vejamos: o espaço fílmico diz respeito ao espaço material, à superfície da área onde se deslocam e desdobram os comportamentos e dispositivos do ritual. É importante lembrar que os registros do ritual exigiram procedimentos metodológicos e práxis particulares que permitiram tanto o cineasta como o antropólogo de resumir-se a uma só pessoa: o próprio autor. 
 
É preciso mencionar que das três fases sucessivas diretamente necessárias ao entendimento do ritual Santiago: os preparativos, a véspera e o dia central, duas mereceram nossa observação fílmica, a véspera e o dia central. Os preparativos, constituídos por atos que compõem a fase preliminar do processo, não participam do caráter cerimonial do Santiago, não só por tratar-se de atividades destinadas à aquisição ou preparação dos ‘ingredientes’ da festa, mas também porque sua continuidade cultural está diluída no sistema industrial. Perante essa constatação, percebemos que a cadeia temporal da relação de consecução entre a fase preliminar (os preparativos) e a fase liminar (a véspera e o dia central) não é necessária para o entendimento do processo. 
 
Como diria Geertz (1989): ‘As sociedades contêm suas próprias interpretações. É preciso apenas descobrir o acesso a elas’. Ora pois, se a antropologia nos tem ensinado alguma coisa, é a complexidade desse acesso. Como se acede? Podemos preliminarmente dizer que, para poder dar substantivamente conta dessas interpretações êmicas, tentamos situar-nos ‘do ponto de vista do nativo’ (GEERTZ, 1997:89-107). Em tal sentido, o diálogo com o filme tem seu alcance metodológico, posto que ele nos permite o conhecimento dos comportamentos do homem por intermédio de sua interpretação com base nas imagens. 
 
Apoiadas na restituição do rastro fluente e persistente do ritual observado, as pessoas filmadas tornaram-se elas mesmas seus próprios observadores, seus próprios críticos e, fundamentalmente, intérpretes de seus próprios comportamentos simbólicos. É esse o liame epistemológico entre o cinema e a antropologia: na restituição imagética, o ponto de vista do informante permite as interpretações do ritual, que por princípio nos são alheias.
 
Grosso modo, a observação direta, calcada na linguagem verbal e na memória, tem competência para apreender algumas manifestações ritualísticas presentes no ritual Santiago. No entanto, ela tende a reter somente os fatos mais relevantes, facilmente fixados pela escrita. Logo, a descrição desses fatos se verá reduzida a fragmentos de um quadro referencial maior. Em compensação, o continuum fílmico do ritual, complementado por inúmeros exames do filme, permitiu restituir toda a densidade real dos comportamentos indiscretos e sutis. 
 
A observação fílmica possui a vantagem, com relação à observação direta, de conferir ao seu resultado, o observado filmado, um status de referência epistemológica mais legítimo que aquele conferido à observação direta. Referimo-nos à observação diferida proposta por Claudine de France. Essa capacidade de analisar em diferido como as pessoas se representam para si mesmas e para os outros nos deixou a possibilidade de inquirir e estudar com elas próprias, e a partir do observado filmado, os significados de seus comportamentos, de seus símbolos.
 
Na condição de antropólogo-cineasta, sabemos, pelo menos do nosso ponto de vista, que a imagem jamais poderá substituir completamente a linguagem escrita na antropologia, mas sabemos também que a palavra impõe à disciplina certos limites que o cinema está em condições de romper e transpor. Sabemos, ainda, que, se o cinema quer fornecer uma contribuição importante e indiscutível à antropologia, será necessário descobrir-lhe a linguagem adequada aos elementos que manipula, num contexto que não é o da palavra falada ou escrita.
 
 
 
 

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Notas sobre a experiência e o saber de experiência

De acordo com Jorge Larrosa Bondía, costuma-se pensar a educação do ponto de vista da relação entre a ciência e a técnica ou, às vezes, do ponto de vista da relação entre teoria e prática. Se o par ciência/técnica remete a uma perspectiva positiva e retificadora, o par teoria/prática remete sobretudo a uma perspectiva política e crítica. De fato, somente nesta última perspectiva tem sentido a palavra “reflexão” e expressões como “reflexão crítica”, “reflexão sobre prática ou não prática”, “reflexão emancipadora” etc. 

O autor propõe que exploremos uma possibilidade, digamos que mais existencial (sem ser existencialista) e mais estética (sem ser esteticista), a saber, pensar a educação a partir do par experiência/sentido. Além disso, sugere certo significado para estas duas palavras em distintos contextos, e depois vocês me dirão como isto lhes soa. O que ele faz é, simplesmente, explorar algumas palavras e tratar de compartilhá-las.

O homem é um vivente com palavra, segundo Jorge Larrosa. E isto não significa que o homem tenha a palavra ou a linguagem como uma coisa, ou uma faculdade, ou uma ferramenta, mas que o homem é palavra, que o homem é enquanto palavra, que todo humano tem a ver com a palavra, se dá em palavra, está tecido de palavras, que o modo de viver próprio desse vivente, que é o homem, se dá na palavra e como palavra. Por isso, atividades como considerar as palavras, criticar as palavras, eleger as palavras, cuidar das palavras, inventar palavras, jogar com as palavras, impor palavras, proibir palavras, transformar palavras etc. não são atividades ocas ou vazias, não são mero palavrório. 

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara.

 O autor diz que é que é necessário separar experiência da informação, e que o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado. É a língua mesma que nos dá essa possibilidade. Depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou uma informação, podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos, que temos mais informação sobre alguma coisa; mas, ao mesmo tempo, podemos dizer também que nada nos aconteceu, que nada nos tocou, que com tudo o que aprendemos nada nos sucedeu ou nos aconteceu.

Benjamin dizia que o periodismo é o grande dispositivo moderno para a destruição generalizada da experiência. O periodismo destrói a experiência, sobre isso não há dúvida, e o periodismo não é outra coisa que a aliança perversa entre informação e opinião. O periodismo é a fabricação da informação e a fabricação da opinião. E quando a informação e a opinião se sacralizam, quando ocupam todo o espaço do acontecer, então o sujeito individual não é outra coisa que o suporte informado da opinião individual, e o sujeito coletivo, esse que teria de fazer a história segundo os velhos marxistas, não é outra coisa que o suporte informado da opinião pública.

Desde pequenos até a universidade, ao largo de toda nossa travessia pelos aparatos educacionais, estamos submetidos a um dispositivo que funciona da seguinte maneira: primeiro é preciso informar-se e, depois, há de opinar, há que dar uma opinião obviamente própria, crítica e pessoal sobre o que quer que seja. A opinião seria como a dimensão “significativa” da assim chamada “aprendizagem significativa”. A informação seria o objetivo, a opinião seria o subjetivo, ela seria nossa reação subjetiva ao objetivo. Além disso, como reação subjetiva, é uma reação que se tornou para nós automática, quase reflexa: informados sobre qualquer coisa, nós opinamos. 

O sujeito moderno, além de ser um sujeito informado que opina, além de estar permanentemente agitado e em movimento, é um ser que trabalha, quer dizer, que pretende conformar o mundo, tanto o mundo “natural” quanto o mundo “social” e “humano”, tanto a “natureza externa” quanto a “natureza interna”, segundo seu saber, seu poder e sua vontade. O trabalho é esta atividade que deriva desta pretensão. O sujeito moderno é animado por portentosa mescla de otimismo, de progressismo e de agressividade: crê que pode fazer tudo o que se propõe (e se hoje não pode, algum dia poderá) e para isso não duvida em destruir tudo o que percebe como um obstáculo à sua onipotência.

Se a experiência é o que nos acontece, e se o sujeito da experiência é um território de passagem, então a experiência é uma paixão. Não se pode captar a experiência a partir de uma lógica da ação, a partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito agente, a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação, mas a partir de uma lógica da paixão, uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional. E a palavra paixão pode referir-se a várias coisas.

Jorge Larrosa Bondía diz que se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece, trata-se de um saber finito, ligado à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana particular; ou, de um modo ainda mais explícito, trata-se de um saber que revela ao homem concreto e singular, entendido individual ou coletivamente, o sentido ou o sem-sentido de sua própria existência, de sua própria finitude. Por isso, o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal.

A ciência moderna desconfia da experiência e trata de convertê-la em um elemento do método, isto é, do caminho seguro da ciência. A experiência já não é o meio desse saber que forma e transforma a vida dos homens em sua singularidade, mas o método da ciência objetiva, da ciência que se dá como tarefa a apropriação e o domínio do mundo. Aparece assim a idéia de uma ciência experimental. Mas aí a experiência converteu-se em experimento. A experiência já não é o que nos acontece e o modo como lhe atribuímos ou não um sentido, mas o modo como o mundo nos mostra sua cara legível, a série de regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade do que são as coisas e dominá-las.

Para o autor, se o experimento é repetível, a experiência é irrepetível, sempre há algo como a primeira vez. Se o experimento é preditível e previsível, a experiência tem sempre uma dimensão de incerteza que não pode ser reduzida. Além disso, posto que não se pode antecipar o resultado, a experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem “pré-ver” nem “pré-dizer”.





terça-feira, 10 de novembro de 2015

Capitulo 2 do livro "Metodologia Científica Desafios e Caminhos"

De acordo com os autores Oswaldo Dalbério e Maria Dalbério, o projeto de pesquisa científica é o primeiro passo de uma pesquisa e cumpre papel fundamental na produção de conhecimento, criando sistematizações das intenções da pesquisa. Para sua elaboração, é necessário que sejam seguidas etapas sequenciais, pois cada momento possui características próprias que formam a organização do raciocínio, facilitando o entendimento e a viabilização metódica da pesquisa.

Sobre "tema", eles dizem ser uma ideia geral sobre um fenômeno que contém uma infinidade de aspectos merecedores de investigação, aos quais chamamos de "assunto". A principal diferença entre esses é basicamente a amplitude e o alcance das ideias neles inseridas. Em suma, o assunto está dentro do tema escolhido. Partindo do interesse e da aplicabilidade dos resultados esperados, o pesquisador pode assumir o assunto para investigá-lo. Com a sistematização do processo de pesquisa há a possibilidade de eliminação de equívocos metodológicos e epistemológicos. Consequentemente, quando os elementos do projeto são bem elaborados, os resultados da pesquisa tendem à fidedignidade.

Para Oswaldo Dalbério e Maria Dalbério, o levantamento da bibliografia é necessário para a investigação proposta. Quanto maior a diversificação de fontes e o número de publicações sobre o assunto, mais bem solidificado será o projeto de trabalho. Cabe ao pesquisador definir quais são as fontes mais importantes para sua pesquisa, mas independentemente do seu tipo e da metodologia empregada na investigação, é essencial um embasamento teórico. O investigador inicia seu trabalho pela leitura de reconhecimento, que deve seguir uma ordem de leitura, com fichamentos e anotações gerais sobre cada texto lido.

Outro passo na organização do projeto é delimitar o assunto, respondendo de forma clara e precisa o que vamos pesquisar. Para o pesquisador não incorrer em equívocos metodológicos é imprescindível que a delimitação seja clara e objetiva. Quanto mais delimitado for o assunto, maior a profundidade e a cientificidade a serem alcançadas. Ainda, segundo os autores, alguns pesquisadores experientes dizem que um problema bem colocado é meia pesquisa pronta, pois a problematização é visualização antecipada do processo e dos resultados da pesquisa.

Após essas etapas, deve ser realizada a elaboração de hipóteses, que são respostas provisórias ou ideias preestabelecidas, apresentadas como soluções do problema a ser investigado. A ideia obtida como hipótese será confirmada ou refutadas após a conclusão da investigação, por isso, é importante visualizar o máximo de variáveis possíveis para evitar surpresas durante a pesquisa. Além disso, é necessário estabelecer os objetivos, ou seja, aonde se quer chegar com os resultados. Quando falamos em objetivo, devemos lembrar de verbos no infinitivo, assim, os verbos expressam uma ideia que engloba o todo da pesquisa. Os objetivos específicos devem expressar o que será feito efetivamente em cada capítulo ou seção do relatório final da pesquisa. Por isso são específicos, pois expressam a particularidade do exercício a ser realizado pelo investigador em cada parte do seu trabalho.

O Roteiro Temático consiste em definir os tópicos e subtópicos que serão desenvolvidos no relatório final da pesquisa. Os assuntos devem ser colocados de maneira lógica, utilizando-se de um dos raciocínios: dedutivo ou indutivo. É importante notar que, quando é mencionado Roteiro Temático, devemos ter em mente que no projeto ele assume essa nomenclatura; entretanto, na monografia, assume outra: sumário ou índice. Vale destacar também a justificativa como um item trivial do projeto, pois é por meio dela que o pesquisador apresenta a relevância no sentido teórico e/ou prático da validade da pesquisa. Ela é a parte maior do trabalho, por isso deve ser clara, objetiva e dissertativa.

Sobre os procedimentos metodológicos, Oswaldo Dalbério e Maria Dalbério dizem ser importante apresentar o caminho a ser utilizado para a confecção da pesquisa. É necessário definir o seu tipo, com seus respectivos procedimentos, bem como explicar quais instrumentos serão utilizados, além de definir a metodologia a partir do problemas e seus objetivos. Concluindo todo esse processo de pesquisa, é imprescindível que seja feito um cronograma, estabelecendo todos os passos, desde o início até a entrega efetiva do relatório final. Para finalizar, os autores dizem que esse calendário deve pautar-se pela fidelidade às datas estabelecidas para evitar possíveis transtornos.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Free - O Futuro dos Preços

Resumo do primeiro capítulo do livro de Chris Anderson, autor do best seller A Cauda Longa.

No final do século XIX, se você quisesse uma sobremesa gelatinosa após o jantar, você teria muito mais trabalho do que hoje: colocar restos de carne em uma panela e esperar metade de um dia para que o colágeno hidrolisado surgisse da cartilagem. Em 1895, Pearle Wait, um carpinteiro de Nova York, achava que a gelatina seria um sucesso se ao menos ele conseguisse descobrir como torná-la mais atrativa. Apesar de fabricantes de cola estarem produzindo a gelatina durante décadas como um subproduto do processamento de carne de animais, ela ainda não era popular com os consumidores americanos. Por um bom motivo: era trabalho demais por tão pouco. 

Wait achava que as gelatinas com sabor poderiam vender mais, e assim misturou a ela sucos de fruta, além de açúcar e corantes alimentares. Para distanciar ainda mais o produto de suas origens no matadouro, sua esposa, May, o rebatizou de Jell-O. E o produto tinha tudo para ser um sucesso. Mas não foi. Durante dois anos, Wait continuou tentando instigar o interesse pelo Jell-O, com pouco sucesso. Ele acabou desistindo em 1899 e vendeu a marca registrada – o nome, com hífen e tudo – a Orator Frank Woodward, que morava na mesma cidade.

Mas até a empresa de Woodward, a Genesee Pure Food Company, teve dificuldades de encontrar um mercado para a gelatina em pó. Era uma nova categoria de produto com um nome de marca desconhecido em uma época na qual quase todos os produtos que dispensavam prescrição médica para a compra eram vendidos em bazares e os clientes tinham de pedi-los pelo nome.  

Então, em 1902, Woodward e seu diretor de marketing, William E. Humelbaugh, tentaram uma nova abordagem. Para começar, eles elaboraram um anúncio de jornal. Com bastante otimismo, o anúncio divulgava o Jell-O como “A Sobremesa Mais Famosa da América” e explicava as vantagens do produto. Então, para ilustrar as ricas e variadas combinações, a Genesee imprimiu dezenas de milhares de panfletos com receitas do Jell-O e os entregou a seus vendedores para distribuí-los de graça às donas de casa.

Em 1904, a campanha se transformara em um enorme sucesso. Dois anos mais tarde, o Jell-O atingiu a marca de um milhão de dólares em venda e nos primeiros 25 anos da empresa, imprimiu a estimativa de um quarto de bilhão de livros de receitas gratuitas e os distribuiu porta a porta por todo o país. Assim nasceu uma das ferramentas de marketing mais poderosas do século XX: dar uma coisa para criar demanda por outra. Woodward sabia que “grátis” é uma palavra com grande capacidade de alterar a psicologia do consumidor, criar novos mercados, abalar mercados antigos e tornar qualquer produto mais atrativo.

Ao mesmo tempo, o exemplo mais famoso desse novo método de marketing estava sendo maquinado algumas centenas de quilômetros ao norte, em Boston. Aos 40 anos, King Gillette era um inventor frustrado, um anticapitalista amargurado e um vendedor de tampas de garrafa revestidas de cortiça. Um dia, enquanto fazia a barba com uma navalha tão gasta que não podia mais ser afiada, ele teve uma ideia. Alguns anos de experimentação metalúrgica mais tarde, nasceu o aparelho de barbear seguro e descartável.

Ao longo das duas décadas posteriores, tentou todos os artifícios de marketing em que conseguiu pensar. Ao vender barato a parceiros que davam os aparelhos de barbear de graça, que, sozinhos, eram inúteis, ele estava criando demanda por lâminas descartáveis. Era exatamente como o Jell-O (cujos livros de receitas eram os “aparelhos de barbear” e a gelatina era a “lâmina”), mas com itens muito mais estreitamente interdependentes. Uma vez que o cliente se acostumava com as lâminas descartáveis, Gillette tinha um cliente diário para a vida inteira. 

Alguns bilhões de lâminas mais tarde, esse modelo de negócios passou a fundamentar setores inteiros: dê o telefone celular, venda o plano mensal; faça o console de videogames ser barato e venda jogos caros; instale sem custo máquinas de café sofisticadas em escritórios para vender caros sachês de café. Surgindo com esses experimentos no início do século XX, o Grátis abasteceu uma revolução do consumidor que definiu os 100 anos subsequentes. A ascensão da indústria publicitária e a chegada do supermercado fizeram da psicologia do consumidor uma ciência e do Grátis, a ferramenta preferida.

A nova forma de Grátis não é uma isca, um truque para transferir dinheiro de um bolso para outro. Ele é impulsionado por uma extraordinária nova capacidade de reduzir os custos dos bens e serviços a quase zero. Embora o Grátis do século passado tenha sido um poderoso método de marketing, o Grátis deste século representa um modelo econômico completamente novo. Essa nova forma de Grátis se baseia na economia de bits, não de átomos. Uma qualidade singular da era digital é que, uma vez que algo se transforma em um produto digital, inevitavelmente passa a ser grátis – em termos de custo, com certeza, e muitas vezes em termos de preço.

As pessoas têm motivos para suspeitar do Grátis na economia dos átomos e para confiar no Grátis na economia dos bits. Intuitivamente, elas percebem a diferença entre as duas economias e entendem por que o Grátis funciona tão bem on-line. Todas as linhas de tendência que determinam o custo de fazer negócios on-line apontam na mesma direção: para zero. Não é de se surpreender que todos os preços on-line avancem na mesma direção.

De repente, você pode fazer coisas que antes não conseguia fazer. Você pode fazer uma fábrica trabalhar 24 horas por dia fabricando copiosamente produtos de uma forma antes inimaginável.  Hoje em dia, os modelos de negócios mais interessantes estão descobrindo maneiras de ganhar dinheiro em função do Grátis. Mais cedo ou mais tarde, toda empresa precisará descobrir formas de utilizar o Grátis ou competir como Grátis, de uma forma ou de outra. 

Isso é tudo!

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Redes sociais na Internet

Fichamento das consideração iniciais do texto de Raquel Recuero.

Esse artigo é resultado de um estudo exploratório que trabalha com a observação empírica de possíveis redes sociais na internet, a partir da pesquisa dessas redes, posteriormente absorvida pela sociologia, sob a perspectiva da análise estrutural. A autora inicia discorrendo justamente sobre o paradigma dessa análise, mostrando que os primeiros passos da teoria das redes encontram-se principalmente nos trabalhos do matemático Ëuler que criou o primeiro teorema da teoria dos grafos. Um grafo é uma representação de um conjunto de nós conectados por arestas que, em conjunto, formam uma rede.

Como essa visão possui uma característica intrinsicamente interdisciplinar, muitos passos importantes na descoberta de propriedades e leis dos fenômenos foram dados em outras ciências, como a biologia
e a física. O estudo de redes sociais "reflete uma mudança do individualismo comum nas ciências sociais em busca de uma análise estrutural". Para ir além, a análise das redes sociais busca focar-se em novas "unidades de análise", tais como relações, laços sociais, multiplexidade, entre outros.

Partindo dessa perspectiva, a análise estrutural das redes sociais procura focar na interação como primado fundamental do estabelecimento das relações sociais entre os agentes humanos, que originarão as redes sociais, tanto no mundo concreto, quanto no mundo virtual. Isso porque em uma rede social, as pessoas são os nós e as arestas são constituídas pelos laços sociais gerados através
da interação social. Quando se trata de analisar a interação através da mediação do computador, portanto, é necessário que exista um locus onde essa interação possa e efetivamente aconteça.

A questão crucial para a compreensão dessas redes sociais passa pela sua dinâmica de sua construção e manutenção. Portanto, a novidade das novas abordagens sobre redes e sua possível constribuição para o estudo das redes sociais está no fato de perceber a estrutura não como determinada e determinante, mas como mutante no tempo e no espaço. Pensando sobre como se formariam as redes sociais, matemáticos demonstraram que bastava uma conexão entre cada um dos convidados de uma festa, para que todos estivessem conectados ao final dela.

Observando as redes sociais como interdependentes umas das outras, é palusível perceber que todas as pessoas estariam interligadas umas às outras em algum nível. O sociólogo Stanley Milgram, na década de 60, foi o primeiro a realizar um experimento para observar os graus de separação entre as pessoas. Outra importante contribuição para o o problema da estruturação das redes sociais foi dada pelo sociólogo Mark Granovetter (1973). Em seus estudos, ele descobriu que chamou de laços fracos (weak ties) seriam muito mais importantes, na manutenção da rede social do que os laços fortes (strong ties), para os quais habitualmente os sociólogos davam mais importância.

Cada um de nós tem amigos e conhecidos emvários lugares do mundo, que por sua vez, têm outros amigos e conhecidos. Em larga escala, essas conexões mostram a existência de poucos graus de separação entre as pessoas no planeta. Além disso, eles mostraram que bastavam poucos links entre vários clusters para formar um mundo pequeno numa grande rede, transformando a própria rede num grande cluster.

As redes não seriam constituídas de nós igualitários, ou seja, com a possibilidade de ter, mais ou menos, o mesmo número de conexões. Ao contrário, tais redes possuriam nós que seriam altamente conectados (hubs ou conectores) e uma grande maioria de nós com poucas conexões. Os hubs seriam os "ricos", que tenderiam a receber sempre mais conexões. As redes com essas características foram denominadas por ele "sem escalas".No mundo real, as redes costumam exibir um grau de distribuição (conectividade) variado, que não necessariamente funcionam num modelo ou outro.

Os sistemas funcionam com o primado fundamental da interação social, ou seja, buscando conectar pessoas e proporcionar sua comunicação e, portanto, podem ser utilizados para forjar laços sociais. Em princípio, o Orkut parece demonstrar a existência de redes sociais amplas, altamente conectadas, com um grau de separação muito pequeno, exatamente como o previsto no modelo de Watts e Strogatz. É possível, inclusive visualisar os "atralhos"ao visualizar perfis de desconhecidos. Entretanto, com uma observação um pouco mais detalhada, percebe-se que a maioria das "distâncias"
entre os membros do sistema é reduzida pela presença de alguns indivíduos, que são "amigos de todo mundo".

A dinâmica do estabelecimento dos laços sociais como a de "ricos que ficam mais ricos" é de difícil análise neste software. Isso porque as pessoas populares atuam voluntariamente no estabelecimento de conexões, não sendo possível falar em "conexão preferencial", na medida em que não são os novos nós que se conectam aos hubs, mas estes que se conectam aos novos nós com o objetivo de aumentar a popularidade.

Blogs e Fotologs também apresentam umcampo interessante de estudo das redes sociais, na medida em que tambémpossuem uma lista de "amigos"ou "blogs/fotologs"favoritos, bem como mecanismos de interação, tais como ferramenta de comentários, trackbacks e emails. Nesses sistemas é mais fácil observar a interação, na medida em que ela se dá de maneira repetida: As pessoas efetivamente "conversam"através de comentários.

A comunicação mediada por computador pode ser muito eficiente no estabelecimento de laços sociais porque facilita sua manutenção. Basta um comentário em um blog ou fotolog, um e-mail ou uma breve conversa no ICQ e já se mantém um laço social xistente. Portanto, parece-nos que a CMC pode facilitar a constituição de laços fracos e fortes.

Os modelos apresentados, apesar de afirmarem sua aplicabilidade para as redes sociais, falham em levar em conta as premissas mais básicas da análise social. Além disso, apresentam falhas na aplicação às redes sociais na Internet, em grande parte, devido à sua natureza matemática e pouco investigativa do teor das conexões e da não presunção de interação para a constituição do laço social.

Até mais!